terça-feira, dezembro 12, 2006
Trechos de Caio Fernando Abreu
sábado, dezembro 09, 2006
terça-feira, dezembro 05, 2006
Matem a saudade!
o clitóris, o coração e a massa cinzenta.
A miúde foram secando as latências do sangue:
mãos e pés.
Aos pífios foram embora os movimentos rítmicos...
o piscar dos olhos, o molhar dos lábios.
Aos minímos foram, ainda, umas manias!
Ranger de dentes, suar frio, respirar pulsado.
Nada foi que perdeu, nada foi que lhe tiraram
nada te mata em mim .
Falecer é uma questão de esquecimento.
Que adianta amputar e matar?
Levem também a nostalgia!
Tirem esse corpo pesando sobre outro!
Lavem esse gosto de pele da boca! Esse aconchego!
Levem o retrato mal curado da parede!
O cheiro do quarto, do trapo, da tralha, do travesseiro, de todos os lugares.
Amassem os sentimentos que carrega no bolso!
Levem o velar do sono!
Vão embora com as rezas ao pé do ouvido!
Sumam as juras gritadas ao tripé da janela!
Desapareçam as más palavras e verbos esbofeteados na cara!
Vão! Antes da tempestade!
Vão para que continue no idílio da morte.
Vão antes que a saudade se lembre!
AMOR
TUMOR
Dá me! Dá me tu olvido y te daré mi libertad!
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Poetas e Antipoetas
a antipoética é de quem se livra do livro.
a poética é de quem o livro se livra.
a antipoética é do que existe apenas.
a poética é do que sobrevive apenas.
a poesia me chama de poema.
a antipoética, instinto.
a poética, intuito.
a antipoética, corpo.
a poética, corte.
o poema é marco zero da poesia.
a antipoética corrói o poema.
a poética come a poesia.
a antipoética inventa poetas.
a poética contamina poetas.
a poesia é ponto g do poema.
a antipoética é o antiantípoda.
a poética é o antiápex.
a antipoética anuncia.
a poética renuncia.
a antipoética é pra quem esbraveja ser o antipoeta.
a poética é pra quem calunia ser poesia.
quinta-feira, novembro 30, 2006
LEMBRANÇAS DE CRIANÇA (a la Julio Cortázar)
Abrir bem grande toda a mão pequena, fixando ângulos quase perfeitos. Assim, assim, fechar toda em punho, como se aprendesse pela primeira vez a pegar um lápis, e a cada palavra levantar um dedinho aleatório, não importa qual, só a quantidade, que claro, às vezes pode mudar de acordo com a relação que se dá dos dedos com a mão:
- Pimeio tem o um, dipois tem u dôis, e o têis, e... caco e inco!
Instruções para ser dramático em diversas situações:
Se te chamarem para limpeza, ajuda ou para qualquer coisa que não saiba nem o que é, ou apenas para dizer que está cansado enfim. É só colocar a mão sobre a testa de forma que pese um pouquinho, assim, virada com a palma para cima, mostrando as linhas da mão b-e-m soltinho. Depois o corpo faz um movimento de jogar-se pra si mesmo, num só tremer ondulado, então se diz bem pausado e acompanhando o movimento da frase, palavra por palavra: mão, corpo e tremilique :
- Ai, eu demaio!
Instruções para falar sobre fábulas em que Sapos da Lagoa se tornam Príncipes:
Depois da estória lida, então, fazer um comentário curto e que mostre todo o desenlace bem explicativo, ou seja, melhor ninguém faria, apenas outra criança, sem nenhuma churumela, sem nenhuma fama. Podemos usar palavras que não estão nos livros infantis, muito menos no vocabulário infantil, mas que ouvimos os adultos dizerem e, mais ou menos, instintivamente, sabemos quando usá-las:
- Ai tá bom! E o Pinpi si metafoso? Qui sapinho mulequinho!
Instruções para traduzir as frases de uma criança de 4 anos:
Igine que tu tein caco anos, nem maish, nem menush. Preste atenção como sua língua é afiada e imperdoável, aliás, como de qualquer outra criança. Pense que os adultos não tem a mínima dimensão do que uma criança pode fazer e dizer. Saber que uma criança de 4 anos formula frases contextuais e que reinterpreta o mundo com uma leitura própria. Saber, também, que o inesperado forma a poesia, e as crianças são seres que mais se apropriam do inesperado.
terça-feira, novembro 21, 2006
Quintana
Lá os poemas voavam e cantavam.
Ora, ciscavam sentidos. Ora, comiam alpistes de solidão.
Havia simplicidade em flor. Oralidade, em orvalho.
Legiões de formigas a trazer letrinhas.
Multidões de abelhas a polinizar palavras.
Nem era milagre, era cada momento:
Brotava poesia.
sexta-feira, novembro 17, 2006
Paixão à to(n)a
Não risque minhas linhas da mão
Com destinos
Quero riscos à beira do abismo
Seja o que for
Se atreva
Dê a cara a tapa
Me pinta com acordes
Partituras deslizantes de dedos
Não deseje o amanhã
Não sinta o hoje,
Só o agora.
Me leve à toa
Não trace meus passos em vão
Com projetos
Quero dançar, deitar e rolar
Seja como for
Se manque
Numa mesquinharia bem carnal
Bem terrena bem passional
Fique doente do coração
Me suje com palavras
Plenas e mentirosas
Diga que me renuncia
Ora, me leve à tona
Não finjas teus gestos
Com ensaios
Foge pra esse país das maravilhas
Assalta minha razão
Seqüestra minha lucidez
Não pari de ti, me parti pra ti!
Faz juras, jura, testemunha minha estricnina
Em te querer
Me encha de graça
Vem sem pressa
Pode vir tentado e com medo
Que te pego pela gola e pelo chão
Me leve à tona não me leve à toa não
Não tenha hora marcada pra matar
Pra morrer: Assassino moribundo!
Me mata me come me flagre se dane me ame!
quinta-feira, novembro 16, 2006
Carta de irrecomendação
Mostra essa máscara fajuta de cultura.
Instrução do homem que veste uma farda de exclusão.
Marcha, caminha progressivamente e em ordem, sem amor.
Sempre no sentido de amputar,
castrar,
degolar
e calar
tudo
do campo semântico do inesperado e momentâneo.
A moral é seu cão de guarda cuidador da hipocrisia.
A ordem, arma na mão para assegurar.
O progresso seu tanque destruir.
Ah, óbvio ululante, filho pródigo e legítimo, tão cronológico.
Lei imutável e biológica.
Vai estagna cada um em seu devido lugar! Uhmf!
Diferencia os diferenciados, privilegia os privilegiados!
Estupra o coletivo, exalta o individualismo.
Cumpre tua missão de cegueira, de mudez e surdez.
Vai, vai, passa, te passa!
Bate, bate, bate, tortura e desfigura o debate, nega a discussão.
Vai infeliz! Fixa, automatiza a autocrítica. Maquiniza a crítica!
Engendra tua maquinaria de partes autônomas que funcionem junto, sem inter-relação, sem fusão.
Impõe um indicativo de vida correta e um homem virtuoso.
Contra a vida, falseia qualquer própria vontade.
Coisifica e materializa o trabalho como única saída.
Vai, Sr. Dr., modela, enquadra, ajusta os parafusos do teu cidadão de bem, teu homem de bem.
Põe na fogueira, faz inquisição aos vagabundos, artistas e relapsos.
Estrebucha a criatividade, a invenção e a vontade. Põe em guetos a espera do gás.Acolhe teus filhos para o caminho reto, cumpre teu fado, com um machado.
segunda-feira, novembro 13, 2006
Julinho da Adelaide ou Chico da Dona Adelaide CONVOCA:
Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa No avesso da montanha, é labirinto É contra-senha, é cara a tapa Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Olaria Fala, Acari, Vigário Geral Fala, Piedade Casas sem cor Ruas de pó, cidade Que não se pinta Que é sem vaidadeVai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop Fala na língua do rap Desbanca a outra A tal que abusa De ser tão maravilhosa Lá não tem moças douradas Expostas, andam nus Pelas quebradas teus exus Não tem turistas Não sai foto nas revistas Lá tem Jesus E está de costas Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Pavuna Fala, Inhaúma Cordovil, Pilares Espalha a tua voz Nos arredores Carrega a tua cruz E os teus tambores Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagodeT eu hip-hopFala na língua do rap Fala no pé Dá uma idéia Naquela que te sombreia Lá não tem claro-escuro A luz é dura A chapa é quente Que futuro tem Aquela gente toda Perdido em ti Eu ando em roda É pau, é pedra É fim de linha É lenha, é fogo, é foda Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Encantado, BanguFala, Realengo...Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Meriti, Nova Iguaçu Fala, Paciência...
CHEGA DE DIZER POR AÍ QUE FUNK, RAP, HIP-HOP, PAGODE NÃO É CULTURA.
É CULTURA. E A CONTRA-CULTURA ESTÁ AÍ PARA REAFIRMAR A CULTURA. CHICO NOS CONVOCA. VAMOS ESCUTAR!
sexta-feira, novembro 10, 2006
O poeta é um pedaço de dor
Na Idade Média:
TROVA DOR
Na Modernidade:
FINGI DOR
Na Pós-modernidade:
JOGA DOR
(peculiarmente, o poeta das crianças: BRINCA DOR)
terça-feira, novembro 07, 2006
De caso perdido
não importa, não tive dedos suficientes, nem corações.
Quero mesmo é declamar meu amor e esparramar minha libido.
Intimidar os tímidos. Intimar os quixotes, macunaímas e andarilhos.
Assassinar paixões. Delatar murmúrios. Amputar o inexprimível.
Venha! Venham! Vá! Vã!
A vida é constante prosa
A vida é momentânea poesia
Perca os dedos e os corações.
Renda-se ao emaranhado de desejos.
Esteja de caso perdido!
segunda-feira, novembro 06, 2006
nossos calos sempre doem muito mais
doem quanto e tanto,
porque lamentam não serem
samba-canções.
quarta-feira, novembro 01, 2006
quinta-feira, outubro 26, 2006
TRINTA EM TRANSE
Quando: segunda-feira, dia 30 de outubro, às 17h30min.
Onde: Memorial do RS - Sala dos Jacarandás.
O que: grande performance de lançamento do Disco-Poema Trinta em Transe.
www.trintaemtranse.com.br
Entre 33 poetas, sujeito a participação da poeta Cris Cubas:
A Posse Da Palavra
Possuí-la até desverberá-la
Possuí-la até dessujeitá-la
Possuí-la até desaprendê-la
Ao avesso arraste-a.
Arranque lhe a pronúncia
Arrebente lhe a caligrafia
Esprema lhe o sentido
Bata em seu cunho vernáculo
Tire lhe a multiplicidade de palavra
Ao avesso arraste-a.
Sem violá-la sem traí-la
Vista-a com abandono e silêncio
Libertamente despalavreando-a:
A posse da palavra pela palavra.
quarta-feira, outubro 18, 2006
Para MAURO IASI: poema in-verso
Dentro do homem
o sonho voa
Dentro da ave
o vôo sonha
Cristiane Cubas
Dentro do sonho
Dentro do sonho
o homem voa.
Dentro do vôo
a ave sonha?
Mauro Iasi
segunda-feira, outubro 02, 2006
hai-kai: Cansei de ser sexy
Uma penetrável donzela até
Uma inviolável cadela.
Se der.
domingo, outubro 01, 2006
Chico me diz
Gota d'água -1975
Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa
Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
sexta-feira, setembro 29, 2006
Considerações finais I
a tristeza destrona os reis do seu palácio.
a saudades sepulta tudo que me dá vida.
às vezes choro de autopiedade, às vezes de perda, às vezes porque um nó na garganta e um vazio no peito vem rasgando meu controle até desaguar.
às vezes fico tonta: me falta o chão e meu coração bate pra todos os lados, de todos os jeitos, se torcendo todo, aí me lembro que não comi nada ainda, aí percebo que não é fome, não estou com fome, só me dá sede.
é a sede que me mantêm. a sede de querer ainda. a sede de sentir ainda.a sede me encher de graça. a sede de resplandecer como o sol.
quarta-feira, setembro 27, 2006
Imbarueri
Para chegar em Imbarueri tem que subir a alta montanha para ver os homens pequeninhos da planície. Não tem terra, nem céu, eles trocam de lugar para aprender a ser e quando a gente nota: chove diarréias de grãos amargos e se pode andar escorregadio nos espelhos d’água.
Lá A Menina do Rio bebe as águas do corpo e junto, vem logo, um Sandinista especialista em granada de mão. A granada é vida que explode em todos os raiares e em todos choveres também. Qualquer um pode beber e explodir, é só sentir a pulsação que os ares de Imbarueri cheiram.
Lá é o lugar das intersecções. Imbarueri é pierrot vestido de bufão. Lá o profano tem gosto de mel sagrado. E a orgia dos prazeres bate na carne quando se reza. Para rezar basta tocar os botões de flores rubras ou comê-las, o que dá um efeito insandecedor.
Lá a loucura é bem-vinda. Lá se diz o que não precisamos dizer. Lá a tristeza é uma carícia.
Imbarueri tudo surge e perde-se repentinamente... para entendermos o desaprender das coisas. Imbarueri não é um sonho. Imbarueri é um pesadelo ao qual sonho todos os dias.
terça-feira, setembro 19, 2006
Prostesto ao Sr. Reinaldo Azevedo da VEJA.
Tati-Quebra-Barraco:
Sou feia, mas tô na moda.
sábado, setembro 16, 2006
As mínimas: amostra grátis de vaselina
Não me ame, me queira.
Ela chora de sexy e quero comer ela.
A inimiga do tesão é a preocupação.
Diz que me ama, mas não me leva pra cama.
Pinto. Repinto. Pinto. Broxa.
Enquanto meu pau estiver duro
o que vier eu seguro.
As línguas não se entendem realmente:
Te pedi um lindo bouquet. E me devolveste um belo ramalhete de tabefes.
terça-feira, setembro 12, 2006
sábado, setembro 09, 2006
Em mim
Não! Os assassinos não sabem mais de amor que os poetas, mas os suicidas sabem: Que adianta tua morte, mas de nada adianta, nem a morte te mata, nem a morte. A tua morte será a minha escravidão, a lembrança até a minha morte A roer meus fios brancos de cabelo, minhas memórias. Antes, a minha morte: para te matar, preciso me matar. |
quinta-feira, setembro 07, 2006
Carnação Platônica
Acordo enjoada dos primeiros goles da manhã, mais uma vez, as dobras preguiçosas do lençol me fazem companhia. Embriagadas, gota a gota de lágrimas elas me fissuram. Sorrio, dando-lhes meu recatado bom dia. Ao meu lado, quase cutucando, sussurra tic-tac-te-peco-te-suo-te-coro, o relógio. Enfim, levanto da cama tropeçando nos meus sentimentos, enrolando e dobrando minhas roupas e paixões, uma a uma.
Ainda na fresta do seu íntimo. O armário guarda, meio bagunçado, um antigo perfume de ausência jamais estada... Espalhando a leve fragrância, a remexer o cinzeiro, com tocos e cinzas do meu medo, procurando no quarto vazio, o meu querer. Até me encontrar assim...
Distraída, meio perdida, percorrendo teus cabelos, afogada no teu cheiro. Chego a assoviar teu nome. Tu, a sentir um estranho silêncio. Te fito, ardo, murmurando te amar em segredo. Rogando um olhar, um gesto. Tu sem notar. Invejo, eu, tuas mãos que te tocam, te confortam. Ainda peco, te cerco com olhares. Tu, a deixar apenas o sorriso e a sombra.
Engulo o suspiro, esse vício, calada. Me pego, finalmente, catando cacos de mim aos teus pés.
Inventando platonicamente você.
segunda-feira, setembro 04, 2006
Agnes e Hernesto
Estava plácida, mas suspirava. Ele a acompanhara até a parada. “Querida? Está suspirando porquê?” Não sabia responder. Aqui, ele está ao meu lado. É como estivesse sozinha. Suspiro. Hernesto não disfarça essa preocupação do rosto. É como dias monótonos e nublados. Estava com a face opaca. Não enxergava aquela inocência indecente dele. Que não era bem inocência. Era o jeito de quem pensa pouco e com muita profundeza, mas vive. Faz a vida viver. Já haviam passado o portão e desciam uma lomba peculiar. Cheia de gentes, ser humanos, pessoas. Sombras. Tudo era um flash. Nunca, Agnes, esteve tão dentro de si como estava. Tremera por instantes, tremera nisso que ousamos chamar de alma. Estava com a náusea. Era a essência à flor da pele. Cansara do existencialismo. E ele continuava a se perpetuar por seus músculos.Hernesto falava palavras, talvez para não acreditar naquele abismo entre eles. Ela respondia movimentos da boca. Não estava se articulando com o peito. Só mexia a boca ao bel prazer das respostas. Queria mais que tudo ir embora. Ansiosa. “Não quer que eu te toque? Não quero forçar nada”.Abracei-o. Não tive medo que ele não me quisesse mais como sempre tivera. O abracei porque de alguma forma o queria ali. Meu deus! Não temo que ele se vá. Estou agora liberta para o amar com todo meu eu ou não o amo o suficiente para continuar isso? Blém. Blém. Blém. E foi como um sino a ressonar na sua cabeça. Estava (parecia) caminhando sozinha. Não notara que estava atravessando a rua, nenhum holofote, nenhuma luz da cidade, nenhum movimento.
Na parada. Ali, o abracei com todo meu peito que estava no chão e não conseguia juntá-lo. Amar se aprende amando. Amar se aprende amando já dizia o poeta. Amar se aprende amando. Ele revelou na conversa íntima ( lá, no quarto, antes dela mentir pra todos e ver sua lágrima sair pelo rosto da pequena Laura) ele revelou sua busca pelo amor, se já tinha realmente amado. Ela que já tinha desistido de tentar saber... Achou aquilo bobo, mas tão nobre... Que sentiu vontade de dizer pra ele amá-la ali mesmo, sem pensar se a amava. Hernesto estava agora confuso e calmo. Tinha certeza do seu amor. “Agnes, espero que fique tudo bem.” Agnes desejou o mesmo em silêncio (ele não sabia.). Um estranhíssimo tchau, até mais. Chega o ônibus.
Sem remorsos. Estava sentada. Sem olhar pra trás. Disposta a não entender. Viagem longa. A rua corria no sentido oposto. Quis lacrimar. Não lacrimou. Quis voltar. Não podia. Quis... A liberdade que Agnes havia dado a si mesma a apavorou. Achou que nunca poderia sozinha, sem nenhuma ajuda ir embora de Hernesto. O queria tanto. O amar pode ser uma prisão. Mas junto com ele, ela podia ser quem tentava ser. Ela era liberta. Hernesto tinha sido a liberdade mais bela que ela conhecera. Quis pensar em Hernesto, mas tudo tão pouco visível, pouco palpável, pouco sensível. Hernesto com toda certeza. Sabia só. Pouco. Pouco do que Hernesto era para ela. Hernesto por Hernesto era uma pérola irregular, feia, mas incrivelmente liberta dessa beleza, que era realmente a coisa mais bela. Ele era uma das maiores dores. Uma das maiores veias do seu corpo. Uma das maiores virtudes dela. A vida ele trazia, e transbordava para ela. Ela o amava. Mas precisou deixá-lo. Não porque não quisesse mais tê-lo, ou porque estava vacinando-se para um futuro não adeus. Não, aquilo não era um paliativo pra ambos. Era uma necessidade dela. Tão particular, que não podia ser explicada, desculpada ou gritada.
Imaginou gritar pra descer ali mesmo e correr mais rápido que podia. Para voltar pra Hernesto. Imaginou apenas. Pois era corajoso, heróico e romântico demais para ela. Era um folhetim barato. Quis ser uma dessas babaquices.
Especulou ainda um bom motivo: foi isso mesmo! Claro! Estava se autodestruindo. Bobagem! Um motivo. Só um motivo rogando pra si mesma. Não tinha. Era uma necessidade de quem é inconstante, fraco e covarde? Não pensou mais. Observou o cobrador que com olhos aflitos pensava em chegar em casa com algum chocolate para o filho. Nas rugas jovens viu um rancor. Pensou na mulher que cozinhara triste a janta. Estava na hora. Aqueles 45 minutos passaram em 4. Tinha de descer. Agnes ajeitou-se, atraindo percepções para si.
Agora o cobrador antes distraído, com suas idéias, a olhava curiosamente. E pensou consigo, que nada era o que estava sentindo, quando notou timidamente a mocinha. Timidamente, pois teve vergonha de olhá-la. Estava despida de um corpo. Era duma tristeza tão imensa que um movimento fez expandir-se por todo o recinto e chegou até ele. Naquele rosto novo, uma dor triste de quem leigamente ama. De quem descobre as esquinas do amor. Parecia não ter um pedaço. Os três degraus mais tristes foram descidos. E meu filho...
Agnes, agora, havia saído do espaço de curiosidade do cobrador. A noite estava gélida de morte. Noite morta. Vultos raros na rua. Vou caminhar por aí. Andou passos em direção ao nada sem nenhuma esperança. Pisou em casa e Hernesto estava com ela. Não de carne, de osso, de sorriso, mas nela, nos seus dedos, nos seus olhos, no seu peito, no seu caminhar, nos seus lábios. Sentiu o rosto quente. Uma estranha sensação de saudade rejeitada. E a gente pode rejeitar a saudade? Não sabia, mas algo tinha perdido. Não. Tinha deixado com ele. Não um adeus para sempre. Largou ali com ele, propositalmente, pra buscar-rebuscar o que tinha de mais secreto pra si: o desaprender de amar.
Cristiane Cubas.
quarta-feira, agosto 30, 2006
Dentrum do palavrório
entre vozes encarnecidas de poemas
vi o gozo da felicidade derramar
papéis fugidios que aos poucos
nós juntávamos com a delicadeza
de um sapeteio florido.
entre um pulmão podre e um cigarro:
a volúpia da palavra!
domingo, agosto 27, 2006
espelho extraordinário
meu deus era um espelho! arregalei os olhos, esfreguei-os, nada, não via nada! era praticamente um vampiro tentando sugar algum miligrama de reflexo, essa ilusão ótica, ou de qualquer coisa que pudesse me sugerir vida. e foi, quando não pude mais olhar pra dentro de mim, eu sabia, teria de comê-lo: cada parte terrivelmente humana, e o pior, seria de mim! talvez me engolindo não me perdesse. me contruísse enfim. era um espelho e teria de comê-lo. e nessa luta pelo reconhecimento da minha existência fiz até jura e prece. em vão, é claro, pois narciso tinha se esquivado de mim, renegado sua paixão e sua ilusão, mas havia um perseu contra a medusa do meu medo, medo de não achar aquilo que pode ser preenchido pelo espaço questionável do eu. eu, corpo. eu, lírico. eu, ser. eu, etc. perseu que saiu violentamente de mim pegou o espelho, e através dele refletiu toda essa coreografia dialética em um estado: era pra eu ser? ser humano? comi todo o espelho. rasgando carnes e incertezas. e agora despendia de mim uma grande realidade: eu mesma.