terça-feira, dezembro 12, 2006

Trechos de Caio Fernando Abreu

Para homenagear a delicadeza dos ferimentos,
relembro trechos dos contos Harriet, Para uma ah vem cá partindo e Pequenas Epifanias:
"sabe que o meu gostar por você chegou a ser amor pois se eu me comovia vendo você pois se eu acordava no meio da noite só pra ver você dormindo meu deus como você me doía de vez em quando eu vou ficar esperando você numa tarde cinzenta de inverno bem no meio duma praça então os meus braços não vão ser suficientes para abraçar você e a minha voz vai querer dizer tanta mas tanta coisa que eu vou ficar calada um tempo enorme só olhando você sem dizer nada só olhando e pensando meu deus mas como você me dói vezenquando.” (Harriet)
Ah: sabe entre duas pessoas essas coisas que devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dize “...” eu vou te dizer todas as coisas, é por isso que estou falando, “...” é fundamental que você preste atenção em todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir os sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas “...” está bem, eu espero aqui do lado da janela enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai........................................................................................................................................................................................................................................................................................................... sim, sei, eu vou escrever, não, eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malar e bolsas, fica tranqüila, esse velho não vai e incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, “...” eu preciso de muito silêncio e muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.” (Para uma ah vem cá partindo)
"Nunca mais sair do centro daquele espaço para as duras ruas anônimas. Nunca mais sair daquele colo quente que é ter uma face para outra pessoa que também tem uma face para você, no meio da tralha desimportante e sem rosto de cada dia atravancando o coração. Mas no quarto, quinto dia, um trecho obsessivo do conto de Clarice Lispector "Tentação" na cabeça estonteada de encanto: "Mas ambos estavam comprometidos. Ele, com sua natureza aprisionada. Ela, com sua infância impossível". Cito de memória, não sei se correto. Fala no encontro de uma menina ruiva, sentada num degrau às três da tarde, com um cão basset também ruivo, que passa acorrentado. Ele pára. Os dois se olham. Cintilam, prometidos. A dona o puxa. Ele se vai. E nada acontece. De mais a mais, eu não queria. Seria preciso forjar climas, insinuar convites, servir vinhos, acender velas, fazer caras. Para talvez ouvir não. A não ser que soprasse tanto vento que velejasse por si. Não velejou. Além disso, sem perceber, eu estava dentro da aprendizagem solitária do não-pedir. Só compreendi dias depois, quando um amigo me falou — descuidado, também — em pequenas epifanias. Miudinhas, quase pífias revelações de Deus feito jóias encravadas no dia-a-dia. Era isso — aquela outra vida, inesperadamente misturada à minha, olhando a minha opaca vida com os mesmos olhos atentos com que eu a olhava: uma pequena epifania. Em seguida vieram o tempo, a distância, a poeira soprando. Mas eu trouxe de lá a memória de qualquer coisa macia que tem me alimentado nestes dias seguintes de ausência e fome. Sobretudo à noite, aos domingos. Recuperei um jeito de fumar olhando para trás das janelas, vendo o que ninguém veria. Atrás das janelas, retomo esse momento de mel e sangue que Deus colocou tão rápido, e com tanta delicadeza, frente aos meus olhos há tanto tempo incapazes de ver: uma possibilidade de amor. Curvo a cabeça, agradecido. E se estendo a mão, no meio da poeira de dentro de mim, posso tocar também em outra coisa. Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome.” (Pequenas epifanias)

sábado, dezembro 09, 2006

Pequena ironia norte-americana (e francesa)

A LIBERDADE É UMA ESTÁTUA!

(E FICA SOZINHA EM UMA ILHA)

REPITO

Para Gabriela Link

Poeta bom é poeta morto!
Antipoeta bom é antipoeta mudo.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Matem a saudade!

Aos poucos foram rasgando as carnes,
o clitóris, o coração e a massa cinzenta.
A miúde foram secando as latências do sangue:
mãos e pés.
Aos pífios foram embora os movimentos rítmicos...
o piscar dos olhos, o molhar dos lábios.
Aos minímos foram, ainda, umas manias!
Ranger de dentes, suar frio, respirar pulsado.
Nada foi que perdeu, nada foi que lhe tiraram





nada te mata em mim .

Falecer é uma questão de esquecimento.
Que adianta amputar e matar?
Levem também a nostalgia!
Tirem esse corpo pesando sobre outro!
Lavem esse gosto de pele da boca! Esse aconchego!
Levem o retrato mal curado da parede!
O cheiro do quarto, do trapo, da tralha, do travesseiro, de todos os lugares.
Amassem os sentimentos que carrega no bolso!
Levem o velar do sono!
Vão embora com as rezas ao pé do ouvido!
Sumam as juras gritadas ao tripé da janela!
Desapareçam as más palavras e verbos esbofeteados na cara!
Vão! Antes da tempestade!
Vão para que continue no idílio da morte.
Vão antes que a saudade se lembre!

AMOR
TUMOR


Dá me! Dá me tu olvido y te daré mi libertad!




sexta-feira, dezembro 01, 2006

Poetas e Antipoetas

o poeta me chama de poesia.

a antipoética é de quem se livra do livro.
a poética é de quem o livro se livra.

a antipoética é do que existe apenas.
a poética é do que sobrevive apenas.

a poesia me chama de poema.

a antipoética, instinto.
a poética, intuito.

a antipoética, corpo.
a poética, corte.

o poema é marco zero da poesia.

a antipoética corrói o poema.
a poética come a poesia.

a antipoética inventa poetas.
a poética contamina poetas.

a poesia é ponto g do poema.

a antipoética é o antiantípoda.
a poética é o antiápex.

a antipoética anuncia.
a poética renuncia.

a antipoética é pra quem esbraveja ser o antipoeta.
a poética é pra quem calunia ser poesia.

quinta-feira, novembro 30, 2006

LEMBRANÇAS DE CRIANÇA (a la Julio Cortázar)

Instruções para contar até 5:
Abrir bem grande toda a mão pequena, fixando ângulos quase perfeitos. Assim, assim, fechar toda em punho, como se aprendesse pela primeira vez a pegar um lápis, e a cada palavra levantar um dedinho aleatório, não importa qual, só a quantidade, que claro, às vezes pode mudar de acordo com a relação que se dá dos dedos com a mão:
- Pimeio tem o um, dipois tem u dôis, e o têis, e... caco e inco!

Instruções para ser dramático em diversas situações:
Se te chamarem para limpeza, ajuda ou para qualquer coisa que não saiba nem o que é, ou apenas para dizer que está cansado enfim. É só colocar a mão sobre a testa de forma que pese um pouquinho, assim, virada com a palma para cima, mostrando as linhas da mão b-e-m soltinho. Depois o corpo faz um movimento de jogar-se pra si mesmo, num só tremer ondulado, então se diz bem pausado e acompanhando o movimento da frase, palavra por palavra: mão, corpo e tremilique :
- Ai, eu demaio!

Instruções para falar sobre fábulas em que Sapos da Lagoa se tornam Príncipes:
Depois da estória lida, então, fazer um comentário curto e que mostre todo o desenlace bem explicativo, ou seja, melhor ninguém faria, apenas outra criança, sem nenhuma churumela, sem nenhuma fama. Podemos usar palavras que não estão nos livros infantis, muito menos no vocabulário infantil, mas que ouvimos os adultos dizerem e, mais ou menos, instintivamente, sabemos quando usá-las:
- Ai tá bom! E o Pinpi si metafoso? Qui sapinho mulequinho!

Instruções para traduzir as frases de uma criança de 4 anos:
Igine que tu tein caco anos, nem maish, nem menush. Preste atenção como sua língua é afiada e imperdoável, aliás, como de qualquer outra criança. Pense que os adultos não tem a mínima dimensão do que uma criança pode fazer e dizer. Saber que uma criança de 4 anos formula frases contextuais e que reinterpreta o mundo com uma leitura própria. Saber, também, que o inesperado forma a poesia, e as crianças são seres que mais se apropriam do inesperado.

terça-feira, novembro 21, 2006

Quintana

Quintana era o quintal dos quintanares.
Lá os poemas voavam e cantavam.
Ora, ciscavam sentidos. Ora, comiam alpistes de solidão.
Havia simplicidade em flor. Oralidade, em orvalho.
Legiões de formigas a trazer letrinhas.
Multidões de abelhas a polinizar palavras.
Nem era milagre, era cada momento:
Brotava poesia.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Paixão à to(n)a

Ora, me leve à toa
Não risque minhas linhas da mão
Com destinos
Quero riscos à beira do abismo
Seja o que for
Se atreva
Dê a cara a tapa
Me pinta com acordes
Partituras deslizantes de dedos
Não deseje o amanhã
Não sinta o hoje,
Só o agora.

Me leve à toa
Não trace meus passos em vão
Com projetos
Quero dançar, deitar e rolar
Seja como for
Se manque
Numa mesquinharia bem carnal
Bem terrena bem passional
Fique doente do coração
Me suje com palavras
Plenas e mentirosas
Diga que me renuncia

Ora, me leve à tona
Não finjas teus gestos
Com ensaios
Foge pra esse país das maravilhas
Assalta minha razão
Seqüestra minha lucidez
Não pari de ti, me parti pra ti!
Faz juras, jura, testemunha minha estricnina
Em te querer
Me encha de graça
Vem sem pressa
Pode vir tentado e com medo
Que te pego pela gola e pelo chão

Me leve à tona não me leve à toa não
Não tenha hora marcada pra matar
Pra morrer: Assassino moribundo!
Me mata me come me flagre se dane me ame!

quinta-feira, novembro 16, 2006

Carta de irrecomendação

Renomadíssimo, Sr. Dr. Positivismo:
Mostra essa máscara fajuta de cultura.
Instrução do homem que veste uma farda de exclusão.
Marcha, caminha progressivamente e em ordem, sem amor.
Sempre no sentido de amputar,
castrar,
degolar
e calar
tudo
do campo semântico do inesperado e momentâneo.
A moral é seu cão de guarda cuidador da hipocrisia.
A ordem, arma na mão para assegurar.
O progresso seu tanque destruir.
Ah, óbvio ululante, filho pródigo e legítimo, tão cronológico.
Lei imutável e biológica.
Vai estagna cada um em seu devido lugar! Uhmf!
Diferencia os diferenciados, privilegia os privilegiados!
Estupra o coletivo, exalta o individualismo.
Cumpre tua missão de cegueira, de mudez e surdez.
Vai, vai, passa, te passa!
Bate, bate, bate, tortura e desfigura o debate, nega a discussão.
Vai infeliz! Fixa, automatiza a autocrítica. Maquiniza a crítica!
Engendra tua maquinaria de partes autônomas que funcionem junto, sem inter-relação, sem fusão.
Impõe um indicativo de vida correta e um homem virtuoso.
Contra a vida, falseia qualquer própria vontade.
Coisifica e materializa o trabalho como única saída.
Vai, Sr. Dr., modela, enquadra, ajusta os parafusos do teu cidadão de bem, teu homem de bem.
Põe na fogueira, faz inquisição aos vagabundos, artistas e relapsos.
Estrebucha a criatividade, a invenção e a vontade. Põe em guetos a espera do gás.Acolhe teus filhos para o caminho reto, cumpre teu fado, com um machado.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Julinho da Adelaide ou Chico da Dona Adelaide CONVOCA:

1. Subúrbio (Chico Buarque/2006)
Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa No avesso da montanha, é labirinto É contra-senha, é cara a tapa Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Olaria Fala, Acari, Vigário Geral Fala, Piedade Casas sem cor Ruas de pó, cidade Que não se pinta Que é sem vaidadeVai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop Fala na língua do rap Desbanca a outra A tal que abusa De ser tão maravilhosa Lá não tem moças douradas Expostas, andam nus Pelas quebradas teus exus Não tem turistas Não sai foto nas revistas Lá tem Jesus E está de costas Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Pavuna Fala, Inhaúma Cordovil, Pilares Espalha a tua voz Nos arredores Carrega a tua cruz E os teus tambores Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagodeT eu hip-hopFala na língua do rap Fala no pé Dá uma idéia Naquela que te sombreia Lá não tem claro-escuro A luz é dura A chapa é quente Que futuro tem Aquela gente toda Perdido em ti Eu ando em roda É pau, é pedra É fim de linha É lenha, é fogo, é foda Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Encantado, BanguFala, Realengo...Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Meriti, Nova Iguaçu Fala, Paciência...

CHEGA DE DIZER POR AÍ QUE FUNK, RAP, HIP-HOP, PAGODE NÃO É CULTURA.
É CULTURA. E A CONTRA-CULTURA ESTÁ AÍ PARA REAFIRMAR A CULTURA. CHICO NOS CONVOCA. VAMOS ESCUTAR!

sexta-feira, novembro 10, 2006

O poeta é um pedaço de dor

Para Mário Pirata

Na Idade Média:
TROVA DOR

Na Modernidade:
FINGI DOR

Na Pós-modernidade:
JOGA DOR

(peculiarmente, o poeta das crianças: BRINCA DOR)

terça-feira, novembro 07, 2006

De caso perdido

Esqueço de contar nos dedos quantos amores tive de uns tempos poucos pra cá,
não importa, não tive dedos suficientes, nem corações.
Quero mesmo é declamar meu amor e esparramar minha libido.
Intimidar os tímidos. Intimar os quixotes, macunaímas e andarilhos.
Assassinar paixões. Delatar murmúrios. Amputar o inexprimível.
Venha! Venham! Vá! Vã!
A vida é constante prosa
A vida é momentânea poesia
Perca os dedos e os corações.
Renda-se ao emaranhado de desejos.
Esteja de caso perdido!

segunda-feira, novembro 06, 2006

nossos calos sempre doem muito mais

calos são dores de cotovelos em bolha:
doem quanto e tanto,
porque lamentam não serem
samba-canções.

quarta-feira, novembro 01, 2006

quinta-feira, outubro 26, 2006

TRINTA EM TRANSE

Lançamento
Quando: segunda-feira, dia 30 de outubro, às 17h30min.
Onde: Memorial do RS - Sala dos Jacarandás.
O que: grande performance de lançamento do Disco-Poema Trinta em Transe.

www.trintaemtranse.com.br

Entre 33 poetas, sujeito a participação da poeta Cris Cubas:


A Posse Da Palavra

Possuí-la até desverberá-la
Possuí-la até dessujeitá-la
Possuí-la até desaprendê-la

Ao avesso arraste-a.

Arranque lhe a pronúncia
Arrebente lhe a caligrafia
Esprema lhe o sentido
Bata em seu cunho vernáculo
Tire lhe a multiplicidade de palavra

Ao avesso arraste-a.

Sem violá-la sem traí-la
Vista-a com abandono e silêncio
Libertamente despalavreando-a:
A posse da palavra pela palavra.

quarta-feira, outubro 18, 2006

Para MAURO IASI: poema in-verso

Dentro do vôo

Dentro do homem
o sonho voa

Dentro da ave
o vôo sonha

Cristiane Cubas


Dentro do sonho

Dentro do sonho
o homem voa.

Dentro do vôo
a ave sonha?

Mauro Iasi

segunda-feira, outubro 02, 2006

hai-kai: Cansei de ser sexy

Quero mais é foder, posso ser:
Uma penetrável donzela até
Uma inviolável cadela.
Se der.

domingo, outubro 01, 2006

Chico me diz

PARA VER: PASSE O CURSOR SEGURANDO O BOTÂO DIREITO OU SELECIONANDO:

Gota d'água -1975

Já lhe dei meu corpo, minha alegria
Já estanquei meu sangue quando fervia
Olha a voz que me resta
Olha a veia que salta
Olha a gota que falta
Pro desfecho da festa

Por favor
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água

sexta-feira, setembro 29, 2006

Considerações finais I

magia é o amor: acaba-se tudo num passe de mágica.

a tristeza destrona os reis do seu palácio.

a saudades sepulta tudo que me dá vida.

às vezes choro de autopiedade, às vezes de perda, às vezes porque um nó na garganta e um vazio no peito vem rasgando meu controle até desaguar.

às vezes fico tonta: me falta o chão e meu coração bate pra todos os lados, de todos os jeitos, se torcendo todo, aí me lembro que não comi nada ainda, aí percebo que não é fome, não estou com fome, só me dá sede.

é a sede que me mantêm. a sede de querer ainda. a sede de sentir ainda.a sede me encher de graça. a sede de resplandecer como o sol.

quarta-feira, setembro 27, 2006

Imbarueri

Imbarueri é quase minha Pasárgada. Lá amor é fruta que a gente colhe nos cabelos.Imbarueri é um cemitério de saudades. Lá todo dia é dia de colheita e se guarda o caroço, pois todos eles são solidões e sementes. Onde a gente insiste em rir de tanto chorar. Onde a gente brinca de mentir e não é feio.
Para chegar em Imbarueri tem que subir a alta montanha para ver os homens pequeninhos da planície. Não tem terra, nem céu, eles trocam de lugar para aprender a ser e quando a gente nota: chove diarréias de grãos amargos e se pode andar escorregadio nos espelhos d’água.
Lá A Menina do Rio bebe as águas do corpo e junto, vem logo, um Sandinista especialista em granada de mão. A granada é vida que explode em todos os raiares e em todos choveres também. Qualquer um pode beber e explodir, é só sentir a pulsação que os ares de Imbarueri cheiram.
Lá é o lugar das intersecções. Imbarueri é pierrot vestido de bufão. Lá o profano tem gosto de mel sagrado. E a orgia dos prazeres bate na carne quando se reza. Para rezar basta tocar os botões de flores rubras ou comê-las, o que dá um efeito insandecedor.
Lá a loucura é bem-vinda. Lá se diz o que não precisamos dizer. Lá a tristeza é uma carícia.
Imbarueri tudo surge e perde-se repentinamente... para entendermos o desaprender das coisas. Imbarueri não é um sonho. Imbarueri é um pesadelo ao qual sonho todos os dias.

terça-feira, setembro 19, 2006

Prostesto ao Sr. Reinaldo Azevedo da VEJA.

Clarice Lispector:
Houve um diálogo difícil, aparentemente não quer dizer muito, mas diz demais.
- Mamãe, tire esse cabelo da testa. É um pouco de franja ainda, mas você fica feia assim.
- Tenho o direito de ser feia.
- Não tem.
- Tenho.
- Eu dissse que não tem.
E assim foi, que se formou o clima de briga.O motivo não era fútil, era sério. Uma pessoa, meu filho no caso, estava me cortando a libertade, e eu não suportei nem vindo de filho! Senti vontade de cortar uma franja bem espessa, bem cobrindo a testa toda. Tive vontade de ir pro meu quarto, de trancar a porta a chave, e de ser eu mesma, por mais feia que fosse. Não, não, por mais feia que fosse, EU QUERIA SER FEIA, isso representava meu direito total à liberdade. Ao mesmo tempo, eu sabia que meu filho tinha os direitos dele: o de não ter uma mãe feia por exemplo, era o choque de duas pessoas revindicando. O quê, afinal? Só Deus sabe. E fiquemos por aqui mesmo.

Tati-Quebra-Barraco:
Sou feia, mas tô na moda.

sábado, setembro 16, 2006

As mínimas: amostra grátis de vaselina

Não te amo, mas quero te comer.

Não me ame, me queira.

Ela chora de sexy e quero comer ela.

A inimiga do tesão é a preocupação.

Diz que me ama, mas não me leva pra cama.

Pinto. Repinto. Pinto. Broxa.

Enquanto meu pau estiver duro
o que vier eu seguro.

As línguas não se entendem realmente:
Te pedi um lindo bouquet.
E me devolveste um belo ramalhete de tabefes.

terça-feira, setembro 12, 2006

uma questão de metamorfose

não se iluda, a vida é circunstancial.

sábado, setembro 09, 2006

Em mim

Não! Os assassinos não sabem mais de amor que os poetas,
mas os suicidas sabem:
Que adianta tua morte, mas de nada adianta,
nem a morte te mata, nem a morte.
A tua morte será a minha escravidão,
a lembrança até a minha morte
A roer meus fios brancos de cabelo, minhas memórias.
Antes, a minha morte: para te matar, preciso me matar.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Carnação Platônica

Carnação Platônica

Acordo enjoada dos primeiros goles da manhã, mais uma vez, as dobras preguiçosas do lençol me fazem companhia. Embriagadas, gota a gota de lágrimas elas me fissuram. Sorrio, dando-lhes meu recatado bom dia. Ao meu lado, quase cutucando, sussurra tic-tac-te-peco-te-suo-te-coro, o relógio. Enfim, levanto da cama tropeçando nos meus sentimentos, enrolando e dobrando minhas roupas e paixões, uma a uma.

Ainda na fresta do seu íntimo. O armário guarda, meio bagunçado, um antigo perfume de ausência jamais estada... Espalhando a leve fragrância, a remexer o cinzeiro, com tocos e cinzas do meu medo, procurando no quarto vazio, o meu querer. Até me encontrar assim...

Distraída, meio perdida, percorrendo teus cabelos, afogada no teu cheiro. Chego a assoviar teu nome. Tu, a sentir um estranho silêncio. Te fito, ardo, murmurando te amar em segredo. Rogando um olhar, um gesto. Tu sem notar. Invejo, eu, tuas mãos que te tocam, te confortam. Ainda peco, te cerco com olhares. Tu, a deixar apenas o sorriso e a sombra.

Engulo o suspiro, esse vício, calada. Me pego, finalmente, catando cacos de mim aos teus pés.
Inventando platonicamente você.

segunda-feira, setembro 04, 2006

Agnes e Hernesto

Sentou-se no banco atônita. Autofagia. Comia-se. Não estava autopiedosa. Não chorava. Era um alívio misturado a um sentimento de peso no estômago. Não sabia. Pensava. Saiu de lá com uma mentira. Entrou, repetiu palavras com tanta verossimilhança que achou aquilo mesmo fosse o que não havia sido.Uns olhares cautelosos, desconfiados, outros displicentes. Mas nenhum foi tão duro quanto ao da criança. Ela a abraçou forte com densas e sinceras lágrimas, como se fosse um adeus. Não era, talvez até fosse e aquilo lhe mostrava agora o caminho. Naquelas pálpebras gordinhas, gotas também obesas brotavam do lustroso olho. Eram as lágrimas que Agnes não conseguira. Agnes paralisou naquele rápido segundo. Estática. Ali entendera que a dor nada mais é que uma perda. Disse que recebera uma ligação de casa e precisava voltar, nada mais. Repetiu sem remorsos. Era uma mentira-feita. Uma mentira sem mal. Uma mentira do ser humano. Uma mentira própria das conveniências, não foi nada, muito obrigado, até outro dia. Há mentiras justas. Família reunida. Páscoa. Hernesto aceitou e ponto. E mais reticências. Fingira. Com um sorriso também muito real. Que oscilava entre um desconforto e uma insegurança. Ela estava indo embora. Pra sempre? Estava indo. Havia um sopão delicioso que cheirava forte. Mesmo com os desejos mais gulosos. Viu olhares. A sopa. As lágrimas. O sorriso. E precisa ir.
Estava plácida, mas suspirava. Ele a acompanhara até a parada. “Querida? Está suspirando porquê?” Não sabia responder. Aqui, ele está ao meu lado. É como estivesse sozinha. Suspiro. Hernesto não disfarça essa preocupação do rosto. É como dias monótonos e nublados. Estava com a face opaca. Não enxergava aquela inocência indecente dele. Que não era bem inocência. Era o jeito de quem pensa pouco e com muita profundeza, mas vive. Faz a vida viver. Já haviam passado o portão e desciam uma lomba peculiar. Cheia de gentes, ser humanos, pessoas. Sombras. Tudo era um flash. Nunca, Agnes, esteve tão dentro de si como estava. Tremera por instantes, tremera nisso que ousamos chamar de alma. Estava com a náusea. Era a essência à flor da pele. Cansara do existencialismo. E ele continuava a se perpetuar por seus músculos.Hernesto falava palavras, talvez para não acreditar naquele abismo entre eles. Ela respondia movimentos da boca. Não estava se articulando com o peito. Só mexia a boca ao bel prazer das respostas. Queria mais que tudo ir embora. Ansiosa. “Não quer que eu te toque? Não quero forçar nada”.Abracei-o. Não tive medo que ele não me quisesse mais como sempre tivera. O abracei porque de alguma forma o queria ali. Meu deus! Não temo que ele se vá. Estou agora liberta para o amar com todo meu eu ou não o amo o suficiente para continuar isso? Blém. Blém. Blém. E foi como um sino a ressonar na sua cabeça. Estava (parecia) caminhando sozinha. Não notara que estava atravessando a rua, nenhum holofote, nenhuma luz da cidade, nenhum movimento.
Na parada. Ali, o abracei com todo meu peito que estava no chão e não conseguia juntá-lo. Amar se aprende amando. Amar se aprende amando já dizia o poeta. Amar se aprende amando. Ele revelou na conversa íntima ( lá, no quarto, antes dela mentir pra todos e ver sua lágrima sair pelo rosto da pequena Laura) ele revelou sua busca pelo amor, se já tinha realmente amado. Ela que já tinha desistido de tentar saber... Achou aquilo bobo, mas tão nobre... Que sentiu vontade de dizer pra ele amá-la ali mesmo, sem pensar se a amava. Hernesto estava agora confuso e calmo. Tinha certeza do seu amor. “Agnes, espero que fique tudo bem.” Agnes desejou o mesmo em silêncio (ele não sabia.). Um estranhíssimo tchau, até mais. Chega o ônibus.
Sem remorsos. Estava sentada. Sem olhar pra trás. Disposta a não entender. Viagem longa. A rua corria no sentido oposto. Quis lacrimar. Não lacrimou. Quis voltar. Não podia. Quis... A liberdade que Agnes havia dado a si mesma a apavorou. Achou que nunca poderia sozinha, sem nenhuma ajuda ir embora de Hernesto. O queria tanto. O amar pode ser uma prisão. Mas junto com ele, ela podia ser quem tentava ser. Ela era liberta. Hernesto tinha sido a liberdade mais bela que ela conhecera. Quis pensar em Hernesto, mas tudo tão pouco visível, pouco palpável, pouco sensível. Hernesto com toda certeza. Sabia só. Pouco. Pouco do que Hernesto era para ela. Hernesto por Hernesto era uma pérola irregular, feia, mas incrivelmente liberta dessa beleza, que era realmente a coisa mais bela. Ele era uma das maiores dores. Uma das maiores veias do seu corpo. Uma das maiores virtudes dela. A vida ele trazia, e transbordava para ela. Ela o amava. Mas precisou deixá-lo. Não porque não quisesse mais tê-lo, ou porque estava vacinando-se para um futuro não adeus. Não, aquilo não era um paliativo pra ambos. Era uma necessidade dela. Tão particular, que não podia ser explicada, desculpada ou gritada.
Imaginou gritar pra descer ali mesmo e correr mais rápido que podia. Para voltar pra Hernesto. Imaginou apenas. Pois era corajoso, heróico e romântico demais para ela. Era um folhetim barato. Quis ser uma dessas babaquices.
Especulou ainda um bom motivo: foi isso mesmo! Claro! Estava se autodestruindo. Bobagem! Um motivo. Só um motivo rogando pra si mesma. Não tinha. Era uma necessidade de quem é inconstante, fraco e covarde? Não pensou mais. Observou o cobrador que com olhos aflitos pensava em chegar em casa com algum chocolate para o filho. Nas rugas jovens viu um rancor. Pensou na mulher que cozinhara triste a janta. Estava na hora. Aqueles 45 minutos passaram em 4. Tinha de descer. Agnes ajeitou-se, atraindo percepções para si.
Agora o cobrador antes distraído, com suas idéias, a olhava curiosamente. E pensou consigo, que nada era o que estava sentindo, quando notou timidamente a mocinha. Timidamente, pois teve vergonha de olhá-la. Estava despida de um corpo. Era duma tristeza tão imensa que um movimento fez expandir-se por todo o recinto e chegou até ele. Naquele rosto novo, uma dor triste de quem leigamente ama. De quem descobre as esquinas do amor. Parecia não ter um pedaço. Os três degraus mais tristes foram descidos. E meu filho...
Agnes, agora, havia saído do espaço de curiosidade do cobrador. A noite estava gélida de morte. Noite morta. Vultos raros na rua. Vou caminhar por aí. Andou passos em direção ao nada sem nenhuma esperança. Pisou em casa e Hernesto estava com ela. Não de carne, de osso, de sorriso, mas nela, nos seus dedos, nos seus olhos, no seu peito, no seu caminhar, nos seus lábios. Sentiu o rosto quente. Uma estranha sensação de saudade rejeitada. E a gente pode rejeitar a saudade? Não sabia, mas algo tinha perdido. Não. Tinha deixado com ele. Não um adeus para sempre. Largou ali com ele, propositalmente, pra buscar-rebuscar o que tinha de mais secreto pra si: o desaprender de amar.

Cristiane Cubas.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Dentrum do palavrório

pífios goles de tesão degustou esse dia
entre vozes encarnecidas de poemas
vi o gozo da felicidade derramar
papéis fugidios que aos poucos
nós juntávamos com a delicadeza
de um sapeteio florido.

entre um pulmão podre e um cigarro:
a volúpia da palavra!

domingo, agosto 27, 2006

espelho extraordinário

para gerusa marques.

meu deus era um espelho! arregalei os olhos, esfreguei-os, nada, não via nada! era praticamente um vampiro tentando sugar algum miligrama de reflexo, essa ilusão ótica, ou de qualquer coisa que pudesse me sugerir vida. e foi, quando não pude mais olhar pra dentro de mim, eu sabia, teria de comê-lo: cada parte terrivelmente humana, e o pior, seria de mim! talvez me engolindo não me perdesse. me contruísse enfim. era um espelho e teria de comê-lo. e nessa luta pelo reconhecimento da minha existência fiz até jura e prece. em vão, é claro, pois narciso tinha se esquivado de mim, renegado sua paixão e sua ilusão, mas havia um perseu contra a medusa do meu medo, medo de não achar aquilo que pode ser preenchido pelo espaço questionável do eu. eu, corpo. eu, lírico. eu, ser. eu, etc. perseu que saiu violentamente de mim pegou o espelho, e através dele refletiu toda essa coreografia dialética em um estado: era pra eu ser? ser humano? comi todo o espelho. rasgando carnes e incertezas. e agora despendia de mim uma grande realidade: eu mesma.