segunda-feira, agosto 11, 2008

A poesia não serve para nada que não seja poesia.

Às 16h da tarde ela já estava cheia de silêncios. Chegaria em casa e inundaria a sala com sons dos discos sem dizer nada. Era assim mesmo: silêncio e uma alma tranquila. Sentia vez enquando uns beliscões na consciência porque achava a mudez o crime mais grave que cometera. Afinal ela sempre tinha uma palavra pendurada na língua. Aborreceu-se em tomar conta das situações e ser admirada com uma indagação na testa. Fim do dia, fim da fala, só versos. Lia Manoel de Barros e ria de tanto 'apalpar as intimidades' daquilo tudo:
"Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
O abandono me protege."
"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas."
"Eu sou o medo da lucidez. Choveu na palavra onde eu estava."
"Penso que dentro de minha casca não tem um bicho: tem um silêncio feroz."
Mais nada fazia senão observar movimentos meticulosos de mosquitos criando letrinhas nos desajeitados vôos. Olhar também que as manchas de mofo na parede lembravam um pouco Kandinsky. Coisa bem esquisita gostar do barulho da água pingando, das portas batendo, do gato miando, e por acaso isso é o silêncio?! Enxergar arte onde não tem! Estar à merce do silêncio é muito perigoso. Pensou estar delirando afinal. Foi ali que ela se deu conta: estava em estado de poesia.