quinta-feira, novembro 16, 2006

Carta de irrecomendação

Renomadíssimo, Sr. Dr. Positivismo:
Mostra essa máscara fajuta de cultura.
Instrução do homem que veste uma farda de exclusão.
Marcha, caminha progressivamente e em ordem, sem amor.
Sempre no sentido de amputar,
castrar,
degolar
e calar
tudo
do campo semântico do inesperado e momentâneo.
A moral é seu cão de guarda cuidador da hipocrisia.
A ordem, arma na mão para assegurar.
O progresso seu tanque destruir.
Ah, óbvio ululante, filho pródigo e legítimo, tão cronológico.
Lei imutável e biológica.
Vai estagna cada um em seu devido lugar! Uhmf!
Diferencia os diferenciados, privilegia os privilegiados!
Estupra o coletivo, exalta o individualismo.
Cumpre tua missão de cegueira, de mudez e surdez.
Vai, vai, passa, te passa!
Bate, bate, bate, tortura e desfigura o debate, nega a discussão.
Vai infeliz! Fixa, automatiza a autocrítica. Maquiniza a crítica!
Engendra tua maquinaria de partes autônomas que funcionem junto, sem inter-relação, sem fusão.
Impõe um indicativo de vida correta e um homem virtuoso.
Contra a vida, falseia qualquer própria vontade.
Coisifica e materializa o trabalho como única saída.
Vai, Sr. Dr., modela, enquadra, ajusta os parafusos do teu cidadão de bem, teu homem de bem.
Põe na fogueira, faz inquisição aos vagabundos, artistas e relapsos.
Estrebucha a criatividade, a invenção e a vontade. Põe em guetos a espera do gás.Acolhe teus filhos para o caminho reto, cumpre teu fado, com um machado.

2 comentários:

Gerusa disse...

Esse é o melhor texto teu que já li.

Cris Cubas disse...

gosto, mas acho taaão óbvio.
"o novo é o óbvio do ovo." ou não será uma pérola dos óbvios ululantes?