sexta-feira, fevereiro 15, 2008

monólogo para espelhos

- Não me cai bem esta máscara? Que tal esta? Ou esta? Ah, já não sabes mais quem sou. E se te contar que sou mil, um trilhão. Ou mais: que abismos e multidões inteiras me habitam! O meu retrato eu não olho. O meu retrato está morto.E Dorian Gray me entenderia. É necessário que te mostre a face? Queres bater neste lado também? Não é esta a bagatela cristã? Só Jesus Cristo para mostrar cu, enquanto lhe estupram a alma. Não, não, não, eu não compro barato. Aceite que minha cretinice não vale mais que um salafrário de meia tijela. O meu jogo é sujo e como muitos chocolates provando cada verdade que não acredito. Minhas táticas são ardilosas e vils. No xadrez, por exemplo, é preciso saber que a Rainha é uma puta que come para qualquer lado; que o Rei é apenas um bibelô. O ataque não é a melhor defesa. É preciso observação. Caso sabes o que é isso? Contemplar? Se estou só, não espere que esteja bem acompanhado. Meus demônios internos são meus inimigos. Me pedes calma e sossego? Não posso. Tenho sempre um novo feto a latejar na minha cabeça. Tenho sempre uma lápide pra plantar no coração. Sou um oroboro a comer a própria carne. Se me encontro estrangeiro e no degredo, me deixe exilado. Do muito que eu li e do pouco que eu sei quase nada me resta. Só o que sobra é esse comboio de cordas chamado coração. Ah, pouco original que sou, ao plagiar meu poetas preferidos, pois bem que venham os mortos reclamarem seus direitos, estarei perdido e mal pago. Estou tão vencido como lúcido. Estou tão doente quanto minha fúria. Meu ódio ainda não é meu medo. Meu medo é feito de mentiras. E se sou fadado a ser um mentiroso. Como saberá se não estou a mentir a infâmia da mentira? E se estou apenas a te confundir. Enquanto rio e aplaudo tua confusão, tu me chamarás de louco e me negará três vezes.

Antonio, em frente ao espelho, sorri, está pronto para sair para rua.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Epitáfio

Aqui jaz um clown. Seu último palco foi esta esquina.

Aqui jaz um poeta. Seu último poema foi esse o silêncio.

Aqui jaz um mímico. Seu último gesto foi essa cova.

Aqui jaz um jazzista. Seu último jazz, agora jaz.