segunda-feira, agosto 11, 2008

A poesia não serve para nada que não seja poesia.

Às 16h da tarde ela já estava cheia de silêncios. Chegaria em casa e inundaria a sala com sons dos discos sem dizer nada. Era assim mesmo: silêncio e uma alma tranquila. Sentia vez enquando uns beliscões na consciência porque achava a mudez o crime mais grave que cometera. Afinal ela sempre tinha uma palavra pendurada na língua. Aborreceu-se em tomar conta das situações e ser admirada com uma indagação na testa. Fim do dia, fim da fala, só versos. Lia Manoel de Barros e ria de tanto 'apalpar as intimidades' daquilo tudo:
"Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
O abandono me protege."
"Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas."
"Eu sou o medo da lucidez. Choveu na palavra onde eu estava."
"Penso que dentro de minha casca não tem um bicho: tem um silêncio feroz."
Mais nada fazia senão observar movimentos meticulosos de mosquitos criando letrinhas nos desajeitados vôos. Olhar também que as manchas de mofo na parede lembravam um pouco Kandinsky. Coisa bem esquisita gostar do barulho da água pingando, das portas batendo, do gato miando, e por acaso isso é o silêncio?! Enxergar arte onde não tem! Estar à merce do silêncio é muito perigoso. Pensou estar delirando afinal. Foi ali que ela se deu conta: estava em estado de poesia.

sexta-feira, junho 27, 2008

Textos abstratos sobre objetos concretos

Um pêndulo na sua constante e ininterrupta jornada de ir de um ponto ao outro a contar o tempo pode entender que um caleidoscópio é um objeto de função inútil? Afinal de contas, pra que serve um caleidoscópio, senão para enterter os olhos e fazer girar a imaginação? Um objeto que ignora o tempo, ora essas. Um caleidoscópio é um objeto de arte.
...

Uma pedra, olha ali, uma pedra: imóvel, dura, fria, moldada pela água e pelo vento. Uma pedra é sábia porque sabe esperar o tempo chegar nela. Uma pedra sabe que seu destino é pó. Uma pedra só espera, por isso é uma pedra.

terça-feira, junho 03, 2008

Elogio ao brega e ao ridículo

Amar nos faz brega. Realmente muito brega. E às vezes ridículos. Muito ridículos.Mas quer saber? Eu adoro ser brega e bem ridícula, aliás quanto mais, mais livre me sinto de qualquer amarra social. Não é um sentimento transgressor e nem contraventor, é um sentimento bobo que ignora qualquer intervenção externa. A impulsão de felicidade desconhece o que é alheio de si. É cego e é surdo a qualquer julgamento. Só não é mudo. Não quer saber de opiniões ou teorias ou blablablás. Só se quer amar e ponto. Com glamour de chocolates com vinho, com simplicidade de quem olha e se reconhece, com a rudeza da selvageria, com qualquer coisa que satisfaça e preencha. Ele é uma estrada sem rumo e sempre em construção. Quer tudo, quer ser todo, completo, pleno. Desconhece a ruína e o pó. O amor não sobrevive no niilismo.

sexta-feira, abril 11, 2008

Chica

Chica, só queria fazer uma canção
E contar que sou um vadio demente
Que culpa tenho se amar é minha limitação?

Neném, eu sou um cara que só mente
E já estou quase doente do coração
Meu bem, nunca me acorrente
Porque a coisa que não agüento é prisão

Chica, não me leve a mal
O meu crime é ser suspeito de um estranho ritual:
Se quero estar só e sem você ao meu lado
Jamais espere que eu esteja bem,
se comigo estou mal acompanhado.

Chica, só queria fazer um refrão
E cantar que sou um violeiro somente
Que culpa tenho se tocar é minha maldição?

Neném, eu sou um cara que só sente
E já estou quase farto da imaginação
Meu bem, sempre me enfrente
Porque o que eu gosto é do seu furacão.

Chica, não me leve a mal
O meu crime é ser suspeito de um estranho ritual:
Se quero estar só e sem você ao meu lado
Jamais espere que eu esteja bem,
se comigo estou mal acompanhado.

Cris Cubas Outono/2008

terça-feira, março 11, 2008

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

monólogo para espelhos

- Não me cai bem esta máscara? Que tal esta? Ou esta? Ah, já não sabes mais quem sou. E se te contar que sou mil, um trilhão. Ou mais: que abismos e multidões inteiras me habitam! O meu retrato eu não olho. O meu retrato está morto.E Dorian Gray me entenderia. É necessário que te mostre a face? Queres bater neste lado também? Não é esta a bagatela cristã? Só Jesus Cristo para mostrar cu, enquanto lhe estupram a alma. Não, não, não, eu não compro barato. Aceite que minha cretinice não vale mais que um salafrário de meia tijela. O meu jogo é sujo e como muitos chocolates provando cada verdade que não acredito. Minhas táticas são ardilosas e vils. No xadrez, por exemplo, é preciso saber que a Rainha é uma puta que come para qualquer lado; que o Rei é apenas um bibelô. O ataque não é a melhor defesa. É preciso observação. Caso sabes o que é isso? Contemplar? Se estou só, não espere que esteja bem acompanhado. Meus demônios internos são meus inimigos. Me pedes calma e sossego? Não posso. Tenho sempre um novo feto a latejar na minha cabeça. Tenho sempre uma lápide pra plantar no coração. Sou um oroboro a comer a própria carne. Se me encontro estrangeiro e no degredo, me deixe exilado. Do muito que eu li e do pouco que eu sei quase nada me resta. Só o que sobra é esse comboio de cordas chamado coração. Ah, pouco original que sou, ao plagiar meu poetas preferidos, pois bem que venham os mortos reclamarem seus direitos, estarei perdido e mal pago. Estou tão vencido como lúcido. Estou tão doente quanto minha fúria. Meu ódio ainda não é meu medo. Meu medo é feito de mentiras. E se sou fadado a ser um mentiroso. Como saberá se não estou a mentir a infâmia da mentira? E se estou apenas a te confundir. Enquanto rio e aplaudo tua confusão, tu me chamarás de louco e me negará três vezes.

Antonio, em frente ao espelho, sorri, está pronto para sair para rua.

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Epitáfio

Aqui jaz um clown. Seu último palco foi esta esquina.

Aqui jaz um poeta. Seu último poema foi esse o silêncio.

Aqui jaz um mímico. Seu último gesto foi essa cova.

Aqui jaz um jazzista. Seu último jazz, agora jaz.

terça-feira, janeiro 22, 2008

As Bacantes

Quando menina eu sonhava em ter um bordel. Minha vó contava histórias extasiantes sobre a casa do final da rua. Era povoada de demônios, bandidos, malfeitores e mulheres rebordosas. Lá o dia começava quando as estrelas já estavam altas no céu. Eu escutava todos aqueles risos embaixo das cobertas, o que mais poderia ser tão engraçado? Eu ria junto, especialmente da mulher do riso bolha, era uma risada tão gostosa que lembrava uma bolha de sabão: eu imaginava aquela bolha sair de dentro de um corpo bem gordo e ir explodir nos ouvidos alheios, causando muitas cócegas.
Eu me escondia na árvore que parecia uma escultura da casa da vovó e ia lá espiar. De manhã era uma casa sonolenta, só podia sentir, do vão da janela, alguma fumaça, um cheiro forte de café e esmalte. Eu tentava entender as palavras de uma cristã-católica-ortodoxa ao contar que aqueles abutres já tinham ceado toda carne fresca da casa. Pobres fantasmas da luxúria!
Quem teria sido o assassino dessa carnificina? Nunca me esqueço a primeira vez que vi uma arma e sangue. Era uma glock, uma pistola comum, foram apenas três tiros.
Esta era uma história de uma princesa, que vivia em um castelo cheio de bruxas barulhentas e tão fumantes quanto chaminés, as bruxas andavam apáticas e velhas, se alimentavam mal, às vezes se injetavam algumas outras coisas. E a princesa vivia ali, alheia a tudo, como num conto de fadas, tinha regalias mil, era intocável e perversa. Aquela bonequinha de luxo tinha os desejos mais sádicos. A hora do dia que mais gostava era quando uma das bruxas do castelo gritava, gritava o dia todo, por causa das torturas, tinham a trancado em quarto escuro para não se injetar mais. Gritou durante três dias e três noites, enquanto as festas aconteciam. A princesinha ria, ria alto quanto maior o sofrimento da bruxa.
Um dia a princesa desejou sentir aqueles outros gritos que ela também ouvia, aqueles que não eram de dor, eram gritos de cadelas no cio. Escolheu o bandido mais sujo da casa. Nada mais se soube da princesa após três meses.
Ele se enforcou. Ela foi morta com três tiros.
A sociedade não perdoa um assassino, mas eu não perdoei aquela mente sádica da princesinha. O cara sujo a visitou todas as noites como um cão fiel, sem tocá-la, conforme ela queria, mas ele foi bobo contou todos os seus segredos, todas suas sujeiras, todas suas fraquezas, ela soube o sugar até a última gota, soube esfregar na cara cada palavra. Justo quando ele estava a amando, ela o traiu com o moço mais limpo que um pai-otário e bunda suja havia trazido para ele aprender a ser homem de verdade.
Ela morreu enquanto gozava em cima do rapaz, o rapaz saiu ileso, não tinha culpa, era um garoto de treze anos que vai ter dificuldades para trepar a vida toda. O assassino não foi o bandido cara suja. O assassino real dessa história de crime e castigo foi a vaidade daquela princesinha.
"Ah, menina! Sai já daí". Eu adorava todas aquelas cores no meio da escuridão. Minha vó não percebia, mas nós tínhamos a melhor caixinha de música da cidade e ficava logo ali na esquina, as composições de Noel até os lamentos de Lady Day. A música funcionava dentro daquela casa como um alento, como a imaculada diversão, talvez por isso ela estivesse 24h por lá. Eu pensava era mesmo nas dançarinas e nas roupas de pavão que elas tinham, muio brilho. Lá parecia um eterno carnaval. Eu adorava aquele jeito Moulin Rouge brasileiro que o bordel tinha. Às vezes as moças iam comprar uns tomates na nossa banca que ficava no meio da praça. E elas me adoravam, diziam que eu era a mocinha mais linda do bairro. Às vezes elas me traziam uns lacinhos de fita das roupas que eu escondia para ninguém achar, aquilo era o meu tesouro. Minha vó dizia que elas eram bruxas más que comiam crianças medrosas como eu, mas eu nem era medrosa e nem achava que elas eram bruxas, para mim eram as estrelas dos musicais que Hollywood não havia encontrado! Eu só sabia das histórias que minha vó me contava e das versões que eu criava para elas. Por exemplo, na minha história, a princesinha que morreu era uma bruxa feia e velha, já o homem sujo que se matou era um menino medroso, e o menino de treze anos era um conquistador barato, tipo o Don Juan. Quando eu era menina, eu tinha um bordel. O bordel da minha imaginação que era tão fantástico como o País das Maravilhas, tão encantado quanto a Terra do Nunca e tão inocente quanto essa camélia que eu ainda guardo no meu diário.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

Quinteto Fantástico

Joga a chave!
Quê meu coração
não conhece entrave.
...

Senhora Morte
pára de azarar
com a minha sorte!
...

Vida safada,
abra as pernas
não se faça de rogada!
...

Tempo ingrato
com contagotas
me maltrata em trapo!

...

Tempo, vê se esquece!
Deixa eu passar não me apresse!

quinta-feira, janeiro 10, 2008

Tempo, vou te fazer um pedido: tempo tempo tempo

Uma mesa, dois copos, um com canha, no outro, uma mistura de uísque com o elixir da Eternidade. Sentados de frente estão uma mortal e o Tempo, disfarçado de amante e apaixonado. Ouve-se apenas a mortal:
- Memória? Não me venha com essa imperatriz esnobe que é a certeza dos fatos. O único fato é pensar, só temos um ato que é sentir. É sabido e protocolado que o que falha à memória, a imaginação preenche. Como saberemos se falamos realmente da mesma coisa? Se no caminho essa arquiteta de construções frágeis que é imaginação não surrupiou algum capítulo dessa estória, escreveu mais alguns caracteres, não apagou algumas linhas? Não estou variando, nem da cabeça e nem com as palavras. Mas vens me falar do dito pelo não dito? E continuas a me falar de ontem? Ontem não foi ontem, não aches que estou te explicando para confundir. Não, mesmo. Ontem ainda não acabou, meu bem, está em nós agora e na ponta da tua língua. Te pego pelas palavras, percebe? O passado continua a incidir. Não vês que a cronologia dos fatos é feita só para reconstituir cenas de crimes, afirmar a temporalidade de Cristo na Terra e ensinar uma caduca História para as crianças? Passado, Futuro e Presente além de conjugarem verbos, levam a gente à lucidez completa, tenha cuidado, lucidez demais faz mal ao coração! Vou te contar um segredo: esse maldito Tempo é um Lord muito poderoso, além de fanfarrão e obviamente humorista! Ele é ilusionista de fama. A gente finge acreditar nesse divisaozinha como se pudesse separar as pedrinhas do feijão, mas o Tempo gosta mesmo, meu amor, é do que está acontecendo, do inacabado! Ele tem um caso eterno com gerúndio! Porque é o gerúndio que nos aponta para a fusão do passado, futuro e presente: ele está acontecendo, estava acontecendo e estará acontecendo. Por isso, vê se esquece essa história porque na vida tudo só acontece! Louca? Me chamas de louca? Loucura no mundo é a fome. Achas que lembrando datas e números estás a me persuadir? Achas que conhece melhor a História e que dás mais importância a ela por isso? Veja só meu bem eu acho que esse dia 20 de janeiro de 2020 é meio cabalístico, não? Faz vinte dias que a gente não se fala, faz questão que eu numere para que possas saber melhor? Não precisa, é claro que não precisa, sabe porquê? Porque é a impressão guardada desse dia que conta mais! O tempo está em nós e essas rugas apontam que o rabecão pode bater na porta, só espero que você não esteja sentado esperando que sua hora chegue. O tempo não é tão feito de fatos assim, ele é feito de emoções, emoções que incentivam batalhas e desfazem amores. O tempo não pára para lembrar. O tempo não tem tempo para isso. O tempo só pára (parece parar) para sentir.
LIDA BANDIDA,
AOS MILIGRAMAS
ESCORRE MINHA VIDA.