quinta-feira, novembro 30, 2006

LEMBRANÇAS DE CRIANÇA (a la Julio Cortázar)

Instruções para contar até 5:
Abrir bem grande toda a mão pequena, fixando ângulos quase perfeitos. Assim, assim, fechar toda em punho, como se aprendesse pela primeira vez a pegar um lápis, e a cada palavra levantar um dedinho aleatório, não importa qual, só a quantidade, que claro, às vezes pode mudar de acordo com a relação que se dá dos dedos com a mão:
- Pimeio tem o um, dipois tem u dôis, e o têis, e... caco e inco!

Instruções para ser dramático em diversas situações:
Se te chamarem para limpeza, ajuda ou para qualquer coisa que não saiba nem o que é, ou apenas para dizer que está cansado enfim. É só colocar a mão sobre a testa de forma que pese um pouquinho, assim, virada com a palma para cima, mostrando as linhas da mão b-e-m soltinho. Depois o corpo faz um movimento de jogar-se pra si mesmo, num só tremer ondulado, então se diz bem pausado e acompanhando o movimento da frase, palavra por palavra: mão, corpo e tremilique :
- Ai, eu demaio!

Instruções para falar sobre fábulas em que Sapos da Lagoa se tornam Príncipes:
Depois da estória lida, então, fazer um comentário curto e que mostre todo o desenlace bem explicativo, ou seja, melhor ninguém faria, apenas outra criança, sem nenhuma churumela, sem nenhuma fama. Podemos usar palavras que não estão nos livros infantis, muito menos no vocabulário infantil, mas que ouvimos os adultos dizerem e, mais ou menos, instintivamente, sabemos quando usá-las:
- Ai tá bom! E o Pinpi si metafoso? Qui sapinho mulequinho!

Instruções para traduzir as frases de uma criança de 4 anos:
Igine que tu tein caco anos, nem maish, nem menush. Preste atenção como sua língua é afiada e imperdoável, aliás, como de qualquer outra criança. Pense que os adultos não tem a mínima dimensão do que uma criança pode fazer e dizer. Saber que uma criança de 4 anos formula frases contextuais e que reinterpreta o mundo com uma leitura própria. Saber, também, que o inesperado forma a poesia, e as crianças são seres que mais se apropriam do inesperado.

terça-feira, novembro 21, 2006

Quintana

Quintana era o quintal dos quintanares.
Lá os poemas voavam e cantavam.
Ora, ciscavam sentidos. Ora, comiam alpistes de solidão.
Havia simplicidade em flor. Oralidade, em orvalho.
Legiões de formigas a trazer letrinhas.
Multidões de abelhas a polinizar palavras.
Nem era milagre, era cada momento:
Brotava poesia.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Paixão à to(n)a

Ora, me leve à toa
Não risque minhas linhas da mão
Com destinos
Quero riscos à beira do abismo
Seja o que for
Se atreva
Dê a cara a tapa
Me pinta com acordes
Partituras deslizantes de dedos
Não deseje o amanhã
Não sinta o hoje,
Só o agora.

Me leve à toa
Não trace meus passos em vão
Com projetos
Quero dançar, deitar e rolar
Seja como for
Se manque
Numa mesquinharia bem carnal
Bem terrena bem passional
Fique doente do coração
Me suje com palavras
Plenas e mentirosas
Diga que me renuncia

Ora, me leve à tona
Não finjas teus gestos
Com ensaios
Foge pra esse país das maravilhas
Assalta minha razão
Seqüestra minha lucidez
Não pari de ti, me parti pra ti!
Faz juras, jura, testemunha minha estricnina
Em te querer
Me encha de graça
Vem sem pressa
Pode vir tentado e com medo
Que te pego pela gola e pelo chão

Me leve à tona não me leve à toa não
Não tenha hora marcada pra matar
Pra morrer: Assassino moribundo!
Me mata me come me flagre se dane me ame!

quinta-feira, novembro 16, 2006

Carta de irrecomendação

Renomadíssimo, Sr. Dr. Positivismo:
Mostra essa máscara fajuta de cultura.
Instrução do homem que veste uma farda de exclusão.
Marcha, caminha progressivamente e em ordem, sem amor.
Sempre no sentido de amputar,
castrar,
degolar
e calar
tudo
do campo semântico do inesperado e momentâneo.
A moral é seu cão de guarda cuidador da hipocrisia.
A ordem, arma na mão para assegurar.
O progresso seu tanque destruir.
Ah, óbvio ululante, filho pródigo e legítimo, tão cronológico.
Lei imutável e biológica.
Vai estagna cada um em seu devido lugar! Uhmf!
Diferencia os diferenciados, privilegia os privilegiados!
Estupra o coletivo, exalta o individualismo.
Cumpre tua missão de cegueira, de mudez e surdez.
Vai, vai, passa, te passa!
Bate, bate, bate, tortura e desfigura o debate, nega a discussão.
Vai infeliz! Fixa, automatiza a autocrítica. Maquiniza a crítica!
Engendra tua maquinaria de partes autônomas que funcionem junto, sem inter-relação, sem fusão.
Impõe um indicativo de vida correta e um homem virtuoso.
Contra a vida, falseia qualquer própria vontade.
Coisifica e materializa o trabalho como única saída.
Vai, Sr. Dr., modela, enquadra, ajusta os parafusos do teu cidadão de bem, teu homem de bem.
Põe na fogueira, faz inquisição aos vagabundos, artistas e relapsos.
Estrebucha a criatividade, a invenção e a vontade. Põe em guetos a espera do gás.Acolhe teus filhos para o caminho reto, cumpre teu fado, com um machado.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Julinho da Adelaide ou Chico da Dona Adelaide CONVOCA:

1. Subúrbio (Chico Buarque/2006)
Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa No avesso da montanha, é labirinto É contra-senha, é cara a tapa Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Olaria Fala, Acari, Vigário Geral Fala, Piedade Casas sem cor Ruas de pó, cidade Que não se pinta Que é sem vaidadeVai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagode, reggae Teu hip-hop Fala na língua do rap Desbanca a outra A tal que abusa De ser tão maravilhosa Lá não tem moças douradas Expostas, andam nus Pelas quebradas teus exus Não tem turistas Não sai foto nas revistas Lá tem Jesus E está de costas Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Pavuna Fala, Inhaúma Cordovil, Pilares Espalha a tua voz Nos arredores Carrega a tua cruz E os teus tambores Vai, faz ouvir os acordes do choro-canção Traz as cabrochas e a roda de samba Dança teu funk, o rock, forró, pagodeT eu hip-hopFala na língua do rap Fala no pé Dá uma idéia Naquela que te sombreia Lá não tem claro-escuro A luz é dura A chapa é quente Que futuro tem Aquela gente toda Perdido em ti Eu ando em roda É pau, é pedra É fim de linha É lenha, é fogo, é foda Fala, Penha Fala, Irajá Fala, Encantado, BanguFala, Realengo...Fala, Maré Fala, Madureira Fala, Meriti, Nova Iguaçu Fala, Paciência...

CHEGA DE DIZER POR AÍ QUE FUNK, RAP, HIP-HOP, PAGODE NÃO É CULTURA.
É CULTURA. E A CONTRA-CULTURA ESTÁ AÍ PARA REAFIRMAR A CULTURA. CHICO NOS CONVOCA. VAMOS ESCUTAR!

sexta-feira, novembro 10, 2006

O poeta é um pedaço de dor

Para Mário Pirata

Na Idade Média:
TROVA DOR

Na Modernidade:
FINGI DOR

Na Pós-modernidade:
JOGA DOR

(peculiarmente, o poeta das crianças: BRINCA DOR)

terça-feira, novembro 07, 2006

De caso perdido

Esqueço de contar nos dedos quantos amores tive de uns tempos poucos pra cá,
não importa, não tive dedos suficientes, nem corações.
Quero mesmo é declamar meu amor e esparramar minha libido.
Intimidar os tímidos. Intimar os quixotes, macunaímas e andarilhos.
Assassinar paixões. Delatar murmúrios. Amputar o inexprimível.
Venha! Venham! Vá! Vã!
A vida é constante prosa
A vida é momentânea poesia
Perca os dedos e os corações.
Renda-se ao emaranhado de desejos.
Esteja de caso perdido!

segunda-feira, novembro 06, 2006

nossos calos sempre doem muito mais

calos são dores de cotovelos em bolha:
doem quanto e tanto,
porque lamentam não serem
samba-canções.

quarta-feira, novembro 01, 2006