terça-feira, janeiro 22, 2008

As Bacantes

Quando menina eu sonhava em ter um bordel. Minha vó contava histórias extasiantes sobre a casa do final da rua. Era povoada de demônios, bandidos, malfeitores e mulheres rebordosas. Lá o dia começava quando as estrelas já estavam altas no céu. Eu escutava todos aqueles risos embaixo das cobertas, o que mais poderia ser tão engraçado? Eu ria junto, especialmente da mulher do riso bolha, era uma risada tão gostosa que lembrava uma bolha de sabão: eu imaginava aquela bolha sair de dentro de um corpo bem gordo e ir explodir nos ouvidos alheios, causando muitas cócegas.
Eu me escondia na árvore que parecia uma escultura da casa da vovó e ia lá espiar. De manhã era uma casa sonolenta, só podia sentir, do vão da janela, alguma fumaça, um cheiro forte de café e esmalte. Eu tentava entender as palavras de uma cristã-católica-ortodoxa ao contar que aqueles abutres já tinham ceado toda carne fresca da casa. Pobres fantasmas da luxúria!
Quem teria sido o assassino dessa carnificina? Nunca me esqueço a primeira vez que vi uma arma e sangue. Era uma glock, uma pistola comum, foram apenas três tiros.
Esta era uma história de uma princesa, que vivia em um castelo cheio de bruxas barulhentas e tão fumantes quanto chaminés, as bruxas andavam apáticas e velhas, se alimentavam mal, às vezes se injetavam algumas outras coisas. E a princesa vivia ali, alheia a tudo, como num conto de fadas, tinha regalias mil, era intocável e perversa. Aquela bonequinha de luxo tinha os desejos mais sádicos. A hora do dia que mais gostava era quando uma das bruxas do castelo gritava, gritava o dia todo, por causa das torturas, tinham a trancado em quarto escuro para não se injetar mais. Gritou durante três dias e três noites, enquanto as festas aconteciam. A princesinha ria, ria alto quanto maior o sofrimento da bruxa.
Um dia a princesa desejou sentir aqueles outros gritos que ela também ouvia, aqueles que não eram de dor, eram gritos de cadelas no cio. Escolheu o bandido mais sujo da casa. Nada mais se soube da princesa após três meses.
Ele se enforcou. Ela foi morta com três tiros.
A sociedade não perdoa um assassino, mas eu não perdoei aquela mente sádica da princesinha. O cara sujo a visitou todas as noites como um cão fiel, sem tocá-la, conforme ela queria, mas ele foi bobo contou todos os seus segredos, todas suas sujeiras, todas suas fraquezas, ela soube o sugar até a última gota, soube esfregar na cara cada palavra. Justo quando ele estava a amando, ela o traiu com o moço mais limpo que um pai-otário e bunda suja havia trazido para ele aprender a ser homem de verdade.
Ela morreu enquanto gozava em cima do rapaz, o rapaz saiu ileso, não tinha culpa, era um garoto de treze anos que vai ter dificuldades para trepar a vida toda. O assassino não foi o bandido cara suja. O assassino real dessa história de crime e castigo foi a vaidade daquela princesinha.
"Ah, menina! Sai já daí". Eu adorava todas aquelas cores no meio da escuridão. Minha vó não percebia, mas nós tínhamos a melhor caixinha de música da cidade e ficava logo ali na esquina, as composições de Noel até os lamentos de Lady Day. A música funcionava dentro daquela casa como um alento, como a imaculada diversão, talvez por isso ela estivesse 24h por lá. Eu pensava era mesmo nas dançarinas e nas roupas de pavão que elas tinham, muio brilho. Lá parecia um eterno carnaval. Eu adorava aquele jeito Moulin Rouge brasileiro que o bordel tinha. Às vezes as moças iam comprar uns tomates na nossa banca que ficava no meio da praça. E elas me adoravam, diziam que eu era a mocinha mais linda do bairro. Às vezes elas me traziam uns lacinhos de fita das roupas que eu escondia para ninguém achar, aquilo era o meu tesouro. Minha vó dizia que elas eram bruxas más que comiam crianças medrosas como eu, mas eu nem era medrosa e nem achava que elas eram bruxas, para mim eram as estrelas dos musicais que Hollywood não havia encontrado! Eu só sabia das histórias que minha vó me contava e das versões que eu criava para elas. Por exemplo, na minha história, a princesinha que morreu era uma bruxa feia e velha, já o homem sujo que se matou era um menino medroso, e o menino de treze anos era um conquistador barato, tipo o Don Juan. Quando eu era menina, eu tinha um bordel. O bordel da minha imaginação que era tão fantástico como o País das Maravilhas, tão encantado quanto a Terra do Nunca e tão inocente quanto essa camélia que eu ainda guardo no meu diário.

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