quinta-feira, janeiro 10, 2008

Tempo, vou te fazer um pedido: tempo tempo tempo

Uma mesa, dois copos, um com canha, no outro, uma mistura de uísque com o elixir da Eternidade. Sentados de frente estão uma mortal e o Tempo, disfarçado de amante e apaixonado. Ouve-se apenas a mortal:
- Memória? Não me venha com essa imperatriz esnobe que é a certeza dos fatos. O único fato é pensar, só temos um ato que é sentir. É sabido e protocolado que o que falha à memória, a imaginação preenche. Como saberemos se falamos realmente da mesma coisa? Se no caminho essa arquiteta de construções frágeis que é imaginação não surrupiou algum capítulo dessa estória, escreveu mais alguns caracteres, não apagou algumas linhas? Não estou variando, nem da cabeça e nem com as palavras. Mas vens me falar do dito pelo não dito? E continuas a me falar de ontem? Ontem não foi ontem, não aches que estou te explicando para confundir. Não, mesmo. Ontem ainda não acabou, meu bem, está em nós agora e na ponta da tua língua. Te pego pelas palavras, percebe? O passado continua a incidir. Não vês que a cronologia dos fatos é feita só para reconstituir cenas de crimes, afirmar a temporalidade de Cristo na Terra e ensinar uma caduca História para as crianças? Passado, Futuro e Presente além de conjugarem verbos, levam a gente à lucidez completa, tenha cuidado, lucidez demais faz mal ao coração! Vou te contar um segredo: esse maldito Tempo é um Lord muito poderoso, além de fanfarrão e obviamente humorista! Ele é ilusionista de fama. A gente finge acreditar nesse divisaozinha como se pudesse separar as pedrinhas do feijão, mas o Tempo gosta mesmo, meu amor, é do que está acontecendo, do inacabado! Ele tem um caso eterno com gerúndio! Porque é o gerúndio que nos aponta para a fusão do passado, futuro e presente: ele está acontecendo, estava acontecendo e estará acontecendo. Por isso, vê se esquece essa história porque na vida tudo só acontece! Louca? Me chamas de louca? Loucura no mundo é a fome. Achas que lembrando datas e números estás a me persuadir? Achas que conhece melhor a História e que dás mais importância a ela por isso? Veja só meu bem eu acho que esse dia 20 de janeiro de 2020 é meio cabalístico, não? Faz vinte dias que a gente não se fala, faz questão que eu numere para que possas saber melhor? Não precisa, é claro que não precisa, sabe porquê? Porque é a impressão guardada desse dia que conta mais! O tempo está em nós e essas rugas apontam que o rabecão pode bater na porta, só espero que você não esteja sentado esperando que sua hora chegue. O tempo não é tão feito de fatos assim, ele é feito de emoções, emoções que incentivam batalhas e desfazem amores. O tempo não pára para lembrar. O tempo não tem tempo para isso. O tempo só pára (parece parar) para sentir.

2 comentários:

Sidnei Schneider disse...

legais as postagens. gosto muito de ah vem cá partindo. bjs

Tedium Vitae disse...

se eu fosse enviar este texto (que é belíssimo e genial a ponto de a gente ter vontade de enviá-lo a alguém), iria com a seguinte epígrafe:
" Ler ao som de Tempo sem tempo de J.M. Wisnik:
Vê se encontra um tempo
pra me encontrar sem contratempo
por algum tempo
o tempo dá voltas e curvas
o tempo tem revoltas absurdas
ele é e não é ao mesmo tempo
avenida das flores
ea ferida das dores
e só então
se sopetão
entro e me adentro no tempo e no vento
e abarco e embarco no barco de Ísis e Osíris
sou como a flecha do arco do arco-íris
que despedaça as flores mais coloridas em mil fragmentos
que passa e de graça distribui amores de cristais totais sexuais celestiais
das feridas das queridas despedidas
de quem sentiu todos os momentos."